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15 de julho de 2002
CARTA AO PRESIDENTE
Arcebispo norte-americano pede a Bush que "fale a verdade" sobre o
terrorismo
O jornal eletrônico português Outra Banda publicou recentemente a íntegra de
uma carta aberta que Bernard Law, cardeal arcebispo de
Boston , enviou ao presidente dos Estados Unidos, George W, Bush. Segundo
o colunista que traduziu o texto, é importante referir que essa carta constitui
o aproveitamento de um texto escrito pelo autor, em 1988, e publicado em The
National Catholic Reporter. Com os acontecimentos de 11 de Setembro e a
posterior retaliação dos EUA, Bernard Law sentiu-se motivado a atualizar o
texto, a transformá-lo em epístola, que endereçou a George W. Bush.
No documento, Law pede ao mandatário norte-americano que fale a verdade ao povo
dos Estados Unidos e explique a eles que o terrorismo se volta contra o país
"porque, na maior parte do mundo, o nosso governo defendeu a ditadura, a
escravidão e a exploração humana. Somos alvo dos terroristas porque somos
odiados. E somos odiados porque o nosso governo fez coisas odiosas."
Confira abaixo a íntegra da carta:
"Senhor Presidente:
Conte a verdade ao povo, senhor Presidente, sobre terrorismo. Se as ilusões
acerca do terrorismo não forem desfeitas, então a ameaça continuará até nos
destruir completamente. A verdade é que nenhuma das nossas muitas armas
nucleares pode proteger-nos dessas ameaças.
Nenhum sistema "Guerra das Estrelas" (não importa quão tecnicamente
avançado seja, nem quantos trilhões de dólares sejam despejados nele) poderá
proteger-nos de uma arma nuclear trazida num barco, avião, ou carro
alugado.
Nenhuma arma sequer do nosso vasto arsenal, nem um centavo sequer dos US$
270.000.000.000,00 (isso mesmo, duzentos e setenta bilhões de dólares) gastos
por ano no chamado "sistema de defesa", pode evitar uma bomba
terrorista. Isto é um fato militar.
Como tenente-coronel reformado e freqüente conferencista em assuntos de
segurança nacional, sempre tenho citado o salmo 33: "Um rei não é salvo
pelo seu poderosos exército, assim como um guerreiro não é salvo por sua
enorme força". A reação óbvia é: "Então o que podemos fazer?
Não existe nada que possamos fazer para garantir a
segurança do nosso povo?" Existe. Mas para entender isso, precisamos saber
a verdade sobre a ameaça.
Sr. Presidente, o senhor não contou ao povo americano a verdade sobre o porquê
de sermos alvo do terrorismo, quando explicou porque bombardearíamos o
Afeganistão e o Sudão. O senhor disse que somos alvo do terrorismo porque
defendemos a democracia, a liberdade e os direitos humanos no mundo...
Que absurdo, Sr. Presidente!
Somos alvo dos terroristas porque, na maior parte do mundo, o nosso governo
defendeu a ditadura, a escravidão e a exploração humana.
Somos alvo dos terroristas porque somos odiados. E somos odiados porque o nosso
governo fez coisas odiosas.
Em quantos países agentes do nosso governo depuseram líderes eleitos pelos
seus povos, substituindo-os por militares ditadores, marionetes desejosas de
vender o seu próprio povo a corporações americanas multinacionais?
Fizemos isso no Irão, quando os Marines e a CIA depuseram Mossadegh, porque ele
tinha a intenção de nacionalizar a indústria de petróleo. Nós
substituímo-lo pelo Xá Reza Pahlevi e armamos, treinamos e pagamos a sua
odiada guarda nacional, Savak, que
escravizou e brutalizou o povo iraniano para proteger o interesse financeiro das
nossas companhias de petróleo. Depois disso, será difícil imaginar que
existam pessoas no Irão que nos odeiem?
Fizemos isso no Chile. Fizemos isso no Vietname. Mais recentemente, tentamos
fazê-lo no Iraque. E, é claro, quantas vezes fizemos isso na Nicarágua e
outras repúblicas na América Latina?
Uma vez atrás da outra, temos destituído líderes populares que desejavam que
as riquezas da sua terra fossem repartidas pelo povo que as gerou. Nós
substituímo-los por tiranos assassinos que venderiam o seu próprio povo para
que, mediante o pagamento de
vultosas quantias para engordar as suas contas particulares, a riqueza da sua
própria terra pudesse ser tomada por similares à Domino Sugar, à United Fruit
Company, à Folgers e por aí adiante.
De país em país, o nosso governo obstruiu a democracia, sufocou a liberdade e
pisou os direitos humanos. É por isso que somos odiados ao redor do mundo. E é
por isso que somos alvo dos terroristas.
O povo do Canadá desfruta da democracia, da liberdade e dosdireitos humanos,
assim como o povo da Noruega e da Suécia. O senhor já ouviu falar de
embaixadas canadenses, norueguesas ou suecas a serem bombardeadas? Nós não
somos odiados porque
praticamos a democracia, a liberdade e os direitos humanos. Nós somos odiados
porque o nosso governo nega essas coisas aos povos dos países de terceiro
mundo, cujos recursos são cobiçados pelas nossas corporações
multinacionais.
Esse ódio que semeamos virou-se contra nós para nos assombrar na forma de
terrorismo e, no futuro, terrorismo nuclear. Uma vez dita a verdade sobre o
porquê da ameaça existir e ter sido entendida, a solução torna-se óbvia.
Nós precisamos de mudar as nossas práticas.
Livrarmo-nos das nossas armas nucleares (unilateralmente, se necessário) irá
melhorar nossa segurança. Alterar drasticamente a nossa política externa irá
assegurá-la.
Em vez de enviar os nossos filhos e filhas ao redor do mundo para matar árabes,
de modo a que possamos ter o petróleo que existe sob as suas areias,
deveríamos mandá-los para reconstruir as suas infra-estruturas, fornecer água
limpa e alimentar crianças famintas.
Em vez de continuar a matar milhares de crianças iraquianas todos os dias, com
as nossas sanções econômicas, deveríamos ajudar os iraquianos a reconstruir
suas estações elétricas, as suas estações de tratamento de água, os seus
hospitais e todas as outras coisas que destruímos e que os impedimos de
reconstruir com as nossas sanções
econômicas.
Em vez de treinar terroristas e esquadrões da morte, deveríamos fechar a
Escola das Américas. Em vez de sustentar a revolta, a desestabilização, o
assassínio e o terror em redor do mundo, deveríamos abolir a CIA e dar o
dinheiro gasto por ela a agências de
assistência.
Resumindo, deveríamos ser bons em vez de maus. Quem iria tentar deter-nos? Quem
iria odiar-nos? Quem iria querer nos bombardear?
Essa é a verdade, Sr. Presidente.
É isso que o povo americano precisa de ouvir
Bernard Law - arcebispo de Boston
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