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Em 1981, quando ainda não tinha 40
anos, Rupert Sheldrake publicou seu primeiro livro,
intitulado A New Science of Life (Uma Nova Ciência da
Vida ), apresentando ao mundo científico o
fundamento teórico para uma visão nova e
revolucionária da gênese morfológica, ou seja, para
o surgimento das formas no mundo orgânico e
inorgânico. Também os
campos mórficos atuam na formação da consciência
humana ( todos os grifos em vermelho são nossos
do resitencia.)
De imediato, o livro suscitou violentas discussões em
publicações científicas e nos grandes jornais.
Subitamente, Sheldrake viu-se no centro de uma
disputa, a qual se alastrou para além dos meios
científicos e acabou por ser levada para os meios de
comunicação.
Por um lado,
havia o "establishment" científico, o
qual queria queimar o livro de Sheldrake - ao menos
simbolicamente -, uma vez que não se podia ignorá-lo
e, por outro, aqueles que viam no autor um cientista a
ser visto com seriedade, inclusive até mesmo por ser
um descobridor visionário.
Naquele tempo, Arthur Koestler classificou as teorias
de Sheldrake como "incrivelmente estimulantes e
desafiadoras". Já o editor de "Nature"
falava de um "tratado aborrecedor", que
merecia destaque em qualquer coleção de
"esdrúxulas aberrações científicas".
O "Sunday Times"
elogiou a linguagem sóbria e clara do autor e a
elegância de sua argumentação, porém criticou-o
por haver escrito um livro sedutor e plausível, sem
apresentar provas da veracidade de suas teses.
Hoje em dia, mais de
dez anos depois, essa disputa não perdeu nada de sua
atualidade. Pelo contrário, a nova e abrangente obra
do autor, The Presence of the Past ( A Presença do
Passado) suscitou novas controvérsias.
Será
tempestade em copo d'água?
Este jovem biólogo levantou uma teoria,
altamente questionável, sobre a capacidade de
aprendizagem da "criação" e a interação
entre o espírito e a matéria. Tal tese - a
qual ele mesmo sabe ser difícil comprovar
definitivamente - é tão inacreditável quanto
simples: além
dos campos energéticos conhecidos pela ciência, como
o gravitacional e o "eletromagnético", a
natureza possui campos morfogenéticos, os
quais são definidos por Sheldrake como
"invisíveis estruturas organizadoras, capazes de
formar e organizar cristais, plantas e animais,
determinando até o seu comportamento". Estes campos
morfogenéticos contêm a soma de toda a história e
de toda a evolução; seria algo semelhante à
crônica de Akasha dos sábios hindus ou ao
inconsciente coletivo de C.G. Jung.
O conceito que Sheldrake desenvolve, a
respeito da "ressonância morfológica",
supõe que estruturas similares podem estar em
comunicação, no espaço e no tempo, através de seus
campos morfogenéticos. O que está em jogo na
"bomba" lançada por Sheldrake é nada mais
nada menos do que uma hipótese científica, que, caso
fosse comprovada, derrubaria toda a concepção
materialista do universo.
Mas, afinal, quem é
Rupert Sheldrake?
Nascido em 1942, filho de uma tradicional família
inglesa, estudou fisiologia vegetal e filosofia, em
Cambridge e Harvard. Como membro
pesquisador da renomada Sociedade Real (Royal Society),
desenvolveu um projeto científico sobre o
envelhecimento de células. Foi também docente
convidado na Alemanha, nos EUA e na Malásia.
Na Índia, onde viveu vários anos, dirigiu uma equipe
que pesquisava a evolução das plantas úteis
tropicais.
Sua experiência na Ásia foi, sobretudo, uma
vivência espiritual: o contato com as regiões
orientais - bem como com as obras de Henri Bergson -
fez com que questionasse abertamente a autoconfiança
da cosmovisão materialista .
Escreveu seu primeiro livro durante o ano e meio que
passou no "Ashram Shantivavam" - retiro
espiritual no sul da Índia, dirigido pelo beneditino
Dom Bede Griffiths, ao qual dedicou a obra. Sentia-se
ligado a Dom Bede pela nova cosmovisão que este
queria desenvolver, ou seja, que envolvesse tanto a
ciência quanto a religião.
Assim,Sheldrake considera-se um cristão
"católico" - com cunho
"anglicano" - no sentido original da
palavra, isto é, que envolve as verdadeiras
experiências religiosas do Ocidente e do Oriente.
A hipótese de Sheldrake considera que tudo que
acontecer, num determinado momento, terá sua
conseqüência, no futuro, em processos
similares.
No processo de aprendizagem, por exemplo, o
fato de alguma coisa ser aprendido por alguém implica
no fato de ela vir a ser aprendida por outrem mais
facilmente, onde quer que ele esteja. Para esta
teoria, Sheldrake encontrou comprovação numa série
de experimentos, em que ratos eram treinados para
encontrar o caminho ao comedor por um labirinto de
passagens. Quando os animais haviam rea-lizado tal
aprendizado, num laboratório qualquer, outros ratos,
nas partes mais distantes do globo, realizavam a mesma
tarefa num tempo menor.
Outro exemplo
esdrúxulo era o fato de que, há décadas, em
Southampton, foram flagrados os primeiros chupins,
que, para completar sua dieta alimentar, furavam a
capinha de alumínio das garrafas de leite que o
leiteiro deixava nas portas das casas. Em seguida,
dezenas, e depois milhares, de chupins - em toda
Inglaterra, na Suécia e na Holanda -
"imitavam" tal comportamento, apesar de o
raio de voo do chupim não passar de 15 Km. Esse
hábito específico da espécie e o campo
morfogenético correspondente sobreviveram à II
Guerra Mundial. Quando a entrega do leite voltou a ser
feita, após vários anos de interrupção, os chupins
já estavam de prontidão.
Dessa forma, o
passado se torna presente em qualquer acontecimento,
ou, segundo Sheldrake, se torna frutífero para
acontecimentos similares. Mas Sheldrake, biólogo por
formação, de maneira alguma restringe a ação dos
campos morfogenéticos ao reino orgânico. Não fala
apenas em ratos, chupins e no homem, mas fala com
igual dedicação, por exemplo, de cristais: assim
que, em algum laboratório, se tenha constituído
determinado cristal, será mais fácil e mais rápido
produzir cristais do mesmo tipo em outros
laboratórios. A explicação convencional para tal
fenômeno pressupõe o transporte de moléculas de um
laboratório a outro, através das roupas e dos
cabelos dos químicos viajantes. E Sheldrake considera
seu campo morfogenético bem mais plausível do que
todos os hipotéticos cientistas transeuntes.
Em seu
novo livro, ele avança mais um passo: verifica,
conseqüentemente, a hipótese de a
natureza possuir uma memória. Sheldrake
pondera que tal memória teria o caráter cumulativo,
que vai sendo ampliada por cada repetição, de forma
a podermos dizer que as características das coisas
provêm de um processo de habituação. Os hábitos são
capazes de construir a natureza de todos os seres
vivos, mas também dos cristais "mortos" das
moléculas e dos átomos e, enfim, de todo o cosmo.
A provocação
singular desse novo livro, que causou uma tormenta,
está expressa da seguinte forma: "nossos
hábitos pessoais poderiam ser derivados da
influência acumulada de nosso comportamento passado,
com o qual mantemos uma comunicação por
ressonância.
Se isto for verdade,
nossas experiências passadas não teriam que estar
armazenadas de uma forma física em nosso sistema
neuro-sensorial. Isto será válido quando lembrarmos
de uma canção, ou de algo que tenha acontecido no
ano passado.
Seria viável termos
acesso ao passado por via direta. Talvez nossa
memória nem esteja gravada no cérebro, como
pressupomos tão naturalmente". Nesse sentido,
Sheldrake fala de sugestões plausíveis, de
possibilidades que ainda estão por ser comprovadas.
Para elucidar sua
hipótese, Sheldrake gosta de compará-la a um
aparelho de televisão. Diz ele que a biologia e a
genética convencionais se parecem com aqueles que
tentam explicar o funcionamento do televisor com
conceitos mecânicos e restritos à caixa do aparelho.
As informações que produzem as imagens seriam
provenientes de determinados circuitos, localizados
dentro do aparelho. Contudo, como todos sabem, cada
televisor recebe suas imagens de uma fonte distante e
central, ou seja, dos estúdios de uma emissora de
televisão, que as emite através de sua estação de
transmissão, um campo invisível capaz de gerar
imagens.
Portanto, na
opinião de Sheldrake, nosso cérebro funciona como um
aparelho de televisão e os campos morfogenéticos nos
transmitem informações de maneira semelhante,
não-espacial e não-mecânica. E ainda formula a
questão, altamente herética para a concepção
científico-materialista ortodoxa , se é realmente o
cérebro que contém a memória, sendo que, na
verdade, ao nos lembrarmos de algo, estaríamos
instantaneamente ligados, em linha direta, ao nosso
passado.
Nosso cérebro,
então, seria mais comparável ao aparelho de
televisão do que ao programa transmitido. Em outras
palavras, aquilo que lembramos não se encontra no
nosso cérebro, assim como o comentarista não se
encontra dentro da TV.
Foi nesse ponto que os
críticos de Sheldrake protestaram mais: se isso fosse
possível, então não haveria razão nenhuma para
não admitir a existência da telepatia e para negar a
ação de uma reza. Nada poderia ser dito contra toda
a sorte de fenômenos religiosos e até místicos; ou
seja, contra uma concepção altamente
anti-científica.
Em conseqüência,
Sheldrake foi declarado um inimigo da ciência,
especialmente do materialismo, e sua teoria rotulada
de "Cavalo de Tróia", pois tentava
reintroduzir, sorrateiramente, a metafísica no mundo
de hoje, depois que a ciência natural a tinha banido
definitivamente.
Todo neurologista
que se sente comprometido com o rigor da ciência -
como comenta Stephen Rose - sabe que a memória deve
estar alojada, "de alguma forma", dentro da
massa cerebral, talvez em forma de código.
"Todos conhecem" a relação que existe
entre a memória e o conjunto das funções nervosas,
como a sinapse, o neurônio, os dutos neurais, etc.
Falta
"apenas" descobrir a prova, mas esta já é
"iminente". Em todo o caso, esta questão
não está de forma alguma em aberto. Pelo contrário:
a memória não seria possível, se não estivesse
alojada materialmente no cérebro.
Porém,
a disputa pelo assento da memória não passa de uma
questão secundária, e o papel do cérebro, uma
questão paliativa. A questão radicalmente central é
a concepção que Sheldrake apresenta sobre conceitos
e leis: estes não são vistos como atemporais,
imutáveis, mas em constante evolução e
transformação. Todo sistema filosófico ou
científico conhecido pressupõe algo imutável,
básico, uma lei constante e primordial. Sheldrake,
porém, embasa sua concepção num cosmo em constante
transformação e evolução. O que chamamos
costumeiramente de "leis naturais" talvez
não passe de costumes da criação.
O
cerne mais radical de suas idéias, pondera ele mesmo,
consiste em refutar a existência de algo que possa
estar determinado por leis atemporais, eternas.
Infelizmente, a influência que a cosmovisão
pitagórica e platônica exerce sobre nosso pensamento
científico ainda é tão grande, que a maioria dos
cientistas naturais estranha a imagem de um cosmo em
constante evolução.
Sheldrake
não concorda que seu posicionamento seja radicalmente
novo. A concepção de uma realidade em constante
transformação e evolução há muito existe no
Budismo, assim como também nas correntes filosóficas
do Ocidente, de Heráclito a Bergson: há a idéia de
um universo criativo no "vitalismo" de Hans
Driesch e no esboço que Whitehead fez de um organismo
cósmico vivo, capaz de manter estruturas vivas em
todos os níveis.
Do outro
lado, o materialismo pressupõe as leis platônicas
imutáveis, que não passam, segundo Sheldrake, de uma
suposição extraordinariamente metafísica e carente
de provas. Aliás, estas leis foram compreendidas
ori-ginalmente como "idéias ocorridas no
espírito de Deus". O materialista coloca-se no
lugar de Deus e acaba ficando a sós com suas idéias;
portanto, suas bases não são tão pragmáticas e
sólidas como se pretende.
Por isso, a
cosmovisão mecanicista dos materialistas vem a ser,
para Sheldrake, um sistema altamente
"metafísico", visto haver para eles duas
"realidades últimas", que escapam a
qualquer verificação científica: por um lado, a
matéria (ou energia), que é tida como eterna e
autoconservadora; por outro lado, o sistema de leis
matemáticas, que mais se parece com as idéias
platônicas mortas, sendo que as substâncias são
mera matéria, desprovida de espírito e vida,
subordinada às leis universais daquelas. À
semelhança das leis naturais, as idéias seriam algo
permanente e imutável e o mundo dos fenômenos nada
mais que reflexos delas. Nesta cosmovisão não se
admite um "feedback" do mundo real sobre
idéias ou arquétipos.
Os campos
morfogenéticos de Sheldrake, por sua vez, não são
fixos. Para ele, há uma conexão constante entre a
realidade e a idéia: novos campos modificam os
anteriores e vice-versa. O que ocorre é um processo
constante e dinâmico: o universo e suas leis -
perdão, "costumes" - estão submetidos a
uma constante evolução.
Sheldrake pode ser
metafísico, místico hermético ou agnóstico - como
seus colegas cientistas reclamam -, mas ele é,
sobretudo, empírico. O experimento é decisivo,
esforça-se em esclarecer. Suas hipóteses
surgem da intuição: desta ou daquela maneira algo
poderia ser; porém, se é ou não assim, só a
expe-riência pode decidir, ou seja, o experimento
científico. A ele Sheldrake se submete.
Desde o lançamento de
seu primeiro livro, há experimentos ocorrendo por
toda parte para testar sua teoria. O centro de
conferências Tarrytown, de Nova York, ofereceu US$
10.000 para o melhor experimento que comprovasse ou
desmentisse a teoria de Sheldrake. Uma fundação
holandesa acrescentou mais US$ 5.000. Não faltaram
boas idéias e, há pouco tempo, iniciou-se algo
parecido a um jogo aberto ao público, do qual
participavam institutos universitários, revistas
científicas, a mídia e também muitos leigos, uma
configuração nada aceitável ao tradicional mundo
das ciências.
Um exemplo
dessa situação ocorreu quando a renomada revista
americana "Boletim do Cérebro e da Mente"
desenvolveu um experimento, em que os leitores da
revista ti-nham que decorar três versos em japonês,
sendo um verso tradicional; outro de um poeta
contemporâneo, e o terceiro, uma seqüência
aleatória de ideogramas. Segundo a teoria do campo
morfogenético, o verso tradicional - que foi
praticado por milhões e milhões de japoneses, ao
longo de séculos - deveria causar uma ressonância
morfogenética, ou seja, ser mais fácil de decorar.
E, de fato, o resultado final do experimento foi este.
Num outro
experimento, feito em grande estilo e envolvendo os
canais de televisão BBC (Londres) e o NDR (Hamburgo),
milhões de pessoas participaram, inclusive
telespectadores. Estes receberam a tarefa de
identificar o rosto de algumas pessoas, em meio a um
amontoado de rabiscos, como num desenho abstrato. O
resultado foi inacreditável e confirmou as
expectativas de Sheldrake: as fisionomias que haviam
sido mostradas na TV, sem disfarce, foram
identificadas mais facilmente pelas pessoas do
experimento que não podiam ver o programa, do que
pelas que podiam! Ou seja, foram
"reconhecidas" mais facilmente em meio aos
rabiscos de disfarce. Nesse caso, a probabilidade
disso poder ser creditado ao acaso é menor que 1 %.
Mesmo assim, a ciência
tradicional permaneceu cética: sentenciou que os
resultados experimentais eram
poucos e os métodos experimentais, de uma maneira
geral, fracos. Somente um experimento grande,
delineado segundo os mais rigorosos preceitos
científicos e realizado no espaço controlável de um
instituto de pesquisa, poderia avaliar a existência e
eficácia da ressonância morfogenética.
Foi exatamente o
que ocorreu, recentemente, no Instituto de Psicologia,
da Universidade Georg-August, em Göttingen, na
Alemanha. O presidente dessa instituição, Suitbert
Ertel, apesar de assumir que achava a hipótese de
Sheldrake absurda, admitia que ela continha previsões
quantificáveis acerca da memória humana, motivo pelo
qual se sentiu tentado, como cético inveterado, a
fazer um experimento que a desmascarasse.
Num dos vários
experimentos realizados, alguns alunos tinham que
decorar ideogramas japoneses. Uma parte deles estava
escrito de forma certa; outra parte, de forma errada,
porém, indistinguíveis aos olhos alemães.
Contrariando todas as
expectativas locais, o experimento resultou numa
diferença altamente significativa entre a taxa de
memorização do "japonês correto" e o
"japonês errado", como se os alunos
alemães possuíssem algum conhecimento prévio da
língua japonesa, a qual, no entanto, lhes era
totalmente estranha.
Tal foi a confusão
gerada pelo resultado inesperado, e inexplicável
pelas teorias mais alternativas, que se repetiu o
experimento, agora no sistema "double blind",
ou seja, os organizadores do experimento não sabiam
os objetivos do mesmo. O resultado foi igual.
Naturalmente, Ertel
ficou muito surpreso: em vez de confirmar a falsidade
das teses de Sheldrake, aconteceu o contrário! Mesmo
assim, ele permanece cético e presume que a hipótese
de Sheldrake ainda se tornará obsoleta, pois as
explicações para os fenômenos citados serão
encontradas dentro dos conceitos estabelecidos pela
fisiologia tradicional.
Esta possibilidade
Sheldrake não questiona. Apesar de não ter fornecido
as provas, junto com sua teoria, ela está
transformando mentalidades e colocou todo um processo
em movimento.
Após o experimento de
Göttingen, outros foram iniciados, em Bielefeld
(Alemanha) e em Göteborg (Suécia), mantendo acesa a
chama do debate.
Sheldrake está confiante de que, em alguns anos, a
cosmovisão holística terá imperado frente à
mecanicista, assim como as teorias dos campos
energéticos e a mecânica quântica acabaram se
impondo à física tradicional.
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