Publicado
na Tribuna da Imprensa de 16.04.2003
JUROS E “REFORMA” DA PREVIDÊNCIA
Adriano
Benayon * – 13.04.2003
Que têm a ver os
juros da dívida pública com o “déficit” da Previdência? Tudo. A conta de juros
em 2002 é quase três vezes maior do que a confessada pelo Banco Central
(R$ 113.9 bilhões) e
no Orçamento da União, “Encargos financeiros” (R$ 108,4 bilhões). Esses encargos
passaram de R$ 300 bilhões. Como entender a incrível diferença de R$ 200
bilhões? Houve desvio de verbas da seguridade, e de outras contribuições
sociais, para pagar juros.
Documento da Secretaria do Tesouro
Nacional comprova que
os encargos da dívida interna mobiliária do TN foram 45% em 2002, média
na qual pesou a desvalorização cambial e a existência de mais de 40% de títulos
indexados ao dólar. Alguns o são ao IGP-M. Conforme o Boletim do BACEN, o valor
médio, em 2002, do estoque
de títulos do Tesouro no mercado, foi de R$ 539,4 bilhões. 45% disso
significam R$ 242,9 bilhões. Há ainda os títulos do Banco Central, cujo saldo
médio de
R$ 100 bilhões, a 25% aa., resulta em R$ 25 bilhões. Isso eleva os juros
da dívida mobiliária interna para R$ 267,9 bilhões.
Na dívida externa, somando a do
“setor público não financeiro”
(US$ 106,7 bilhões em novembro de 2002) e parte da do “setor financeiro
privado e público”, os juros correspondem a, no mínimo, 60% da total: US$ 9,2
bilhões. Ao
câmbio de R$ 3,00 por dólar, R$ 27,6 bilhões. Isso eleva para R$ 295,5
bilhões os juros da dívida externa e da mobiliária interna.
Note-se que não incluí as dívidas:
a) contratual securitizada, cujo saldo era R$ 16,2 bilhões, em março de 2002; b)
outras contratuais; c)
depósitos compulsórios; d) depósitos de poupança; e) FGTS; f) FAT. Nem a
carteira de títulos do TN no BACEN.
Ainda assim, encontrei R$ 295,5 bilhões de encargos.
Estarrecedor, pois os R$ 113,9 bilhões admitidos pelo BACEN já causam
horror. Que crédito, pois, merecem os dados propalados sobre o suposto déficit
da Previdência?
Considerando o prejuízo do Banco
Central, de R$ 17,2 bilhões em 2002, os encargos financeiros da União chegam R$
312,7 bilhões. O prejuízo
do BACEN decorreu, em parte, de swaps de câmbio, por ele transados para
tentar deter a desvalorização do real, dando lucros a bancos privados e
estrangeiros. As improdutivas despesas financeiras levam
a inexorável subdesenvolvimento. R$ 312,7 bilhões são
84,8 % das receitas da União (R$ 368,9 bilhões) e 131% de suas receitas
fiscais (238,1 bilhões). Mesmo adicionando as receitas
dos Estados e dos Municípios, os encargos consomem 68,4% do total.
O desvio de verbas é
inconstitucional. Não obstante, por medidas provisórias e na Lei Orçamentária, a
Administração colonial obteve a desvinculação das receitas da União (DRU). As
contribuições foram aumentadas, não para servir a suas finalidades, mas a fim de
arranjar recursos para pagar juros, como documentam estudos das Associações dos
Auditores Fiscais da Receita Federal e da Previdência, baseados em dados
oficiais. O mesmo houve com a CPMF, criada para atender à saúde. O projeto de
“reforma” da previdência é a continuação dessa política, comandada pelo FMI e
seus mentores do “mercado”, os que destroem a economia e o mercado
brasileiro.
Só uma auditoria poderia dizer
porque as estatísticas não mostram grande aumento da dívida de 2001 para 2002,
com a capitalização de
encargos, tal o seu vulto. Outra lei colonialista, a de “Responsabilidade
Fiscal” (LRF), obriga o setor público a cortar gastos quando faltam recursos
para as despesas financeiras. Mas, mesmo assim, há rombos, em parte cobertos por
emissões e pela colocação de títulos do Tesouro Nacional na
carteira do BACEN. A auditoria é necessária também para verificar o
montante dos juros pagos pelo TN ao BACEN, pois seu prejuízo, excluída a receita
com títulos, pode ser bem maior que os R$ 17,2 bilhões acusados em seu balanço.
A carteira do BACEN cresceu de R$ 21,7 bilhões, no final de 1996,
para R$ 202,8 bilhões em 2002.
Ainda que a dívida tenha
aumentado, em 2002, a ritmo menor do que de 1994 a 2001, a União se exauriu,
como acontecia antes. Com a ditadura dos juros altos, a exaustão se dá de um
modo ou de outro, e se estende à economia como um todo, pelo efeito combinado
de: 1) queda da renda disponível, dada a elevação dos tributos; 2) míngua dos
investimentos.
A política econômica tem feito no
Brasil o que os mísseis fizeram no Iraque. O orçamento da União previa, para
investimento, 3% das receitas, mísero percentual que cairá ainda mais, por obra
dos
cortes feitos pelo PMD (Palocci, Meirelles ou Mantega e Dirceu), para
aumentar o superávit primário. Traduzindo, para pagar juros, a mando do FMI.
“Reforma” tornou-se sinônimo de pilhagem. De há muito, os contribuintes da
Previdência são sacrificados.
Já se estrangulou além do tolerável a demanda agregada. Com as “reformas”
perdem mercado os empresários brasileiros que ainda labutam, massacrados por
juros extorsivos (de 120% e mais) e
por contribuições sociais (COFINs e outras) cujos recursos são desviados
para o Caixa Único do Tesouro.
Resultado: mais desemprego. Este e
os salários reais em queda é que têm feito estagnar as receitas da previdência
pública. Ainda assim, ela não tem déficit, apesar de o País, nestes 30 anos, por
causa do modelo econômico, ter crescido quinze vezes menos do que seu potencial
lhe permite (Em 30 anos, crescimento de 10% aa. faz multiplicar por 17,4 o valor
do ano base).
* - Adriano Benayon, Doutor em Economia pela Universidade de
Hamburgo, Alemanha.
Autor de “Globalização versus Desenvolvimento” benayon@solar.com.br.